Carlos Alberto (Jornalista angolano) |
Por: Carlos Alberto ( Jornalista angolano)
Os últimos "acontecimentos prisionais" (de marimbondos) têm aproximado, cada vez mais, o presidente da República João Lourenço a uma situação de impeachment (impedimento de exercer o cargo de presidente da República), que resultaria de uma destituição a partir da Assembleia Nacional. Muito se fala, em bocas pequenas, da possibilidade de "arguidos do MPLA" (marimbondos) poderem trazer a público provas de fraude eleitoral arquitectadas nas nossas eleições gerais de Agosto de 2017, com o "agreement" (cumplicidade) do cabeça-de-lista da lista do MPLA, que se terá tornado, pela via da fraude, presidente da República. Ao acontecer, teríamos os seguintes cenários: 1. Com provas (públicas) que apontassem que houve fraude eleitoral e que João Lourenço sabia da sua existência e até terá participado nela para que o desfecho das eleições o colocassem, de forma ilegal, no cadeirão máximo do país, a Procuradoria-Geral da República (PGR) seria obrigada a abrir imediatamente um processo de investigação para confirmar a autenticidade das provas exibidas e responsabilizar criminalmente o "falso presidente". Aqui levanta-se a questão se o Procurador-Geral da República, que foi nomeado pelo presidente da República (alvo do impeachment), teria coragem de fazer justiça, chegando mesmo ao ponto de ir contra quem o nomeou. Por isso é que se questiona também se temos de facto separação de poderes ou se é tudo conversa para boi dormir. Aliás, já houve provas públicas de fraude eleitoral aquando da expulsão de Angola de congoleses que exibiram cartões de eleitor, cartões de militante do MPLA e Bilhetes de Identidade, como "resultado" da "Operação Transparência" . A PGR preferiu fechar os olhos e a justificação é clara. 2. Supondo que estamos num cenário de separação de poderes - como o próprio presidente da República vem dizendo -, a PGR faria o seu trabalho e levaria uma acusação de responsabilidade criminal de traição à pátria ao presidente da República, como reza o artigo 127.° da Constituição da República de Angola (CRA). Alguns juristas poderão dizer que fraude eleitoral não é traição à pátria. Do meu ponto de vista, é. A partir do momento que se prova dolo na vontade de representação do soberano, estamos perante uma soberania violada, logo é traição à soberania, é traição à pátria. Avancemos, voltando ao "país normal". 3. A PGR prova que houve traição à pátria no número 1 do artigo 127.° da CRA e por isso submete o impeachment (a destituição do presidente da República) à Assembleia Nacional (AN). 4. A AN teria de votar favoravelmente no impeachment (no país normal) para se fazer justiça, conforme recomendação do Ministério Público que mostrou provas de crime de traição à pátria. Na votação, na AN, para que João Lourenço fosse destituído do cargo de presidente da República, teria de haver uma vontade para esse efeito de uma maioria, pelo menos de 2/3 dos deputados, a maioria qualificada, de acordo com a Constituição, que corresponde a 147 deputados dos 220 existentes. A oposição possui 70 deputados. Supondo que estivéssemos perante uma "oposição normal", teríamos garantidamente 70 votos favoráveis no impeachment. Precisar-se-ia de voto favorável de mais 77 deputados do MPLA para que João Lourenço fosse destituído. Supondo que estivéssemos perante "deputados normais" (que colocam a justiça acima dos seus interesses pessoais), agravado do facto de muitos deles não pretenderem ser os próximos a serem retirados de um avião se pretenderem viajar, uma vez que se aventa a possibilidade de todos os deputados do MPLA que já exerceram cargos públicos terem a sua vez garantida para a sua responsabilização criminal, teríamos garantidamente mais 77 deputados a votar a favor do impeachment, uma vez que o crime de traição à pátria dá direito à destituição do presidente da República, como reza a alínea a) do número 1, do artigo 129.°. 5. Com o impeachment consumado na AN, o assunto seria remetido ao Tribunal Supremo, órgão responsável pela decisão da destituição do presidente da República, como reza o número 3 do artigo 129.° da CRA. E quem é o Juiz-Presidente do Tribunal Supremo? Rui Ferreira. Justamente o Juiz-Presidente do Tribunal Constitucional, que validou as "eleições fraudulentas", tendo reprovado, inclusive, as propostas de impugnação das eleições de 2017 por parte da UNITA, CASA-CE e PRS. Após todo o processo de impeachment, do país normal, teríamos aqui um grande obstáculo para se fazer justiça. É só recordar que Rui Ferreira é Juiz-Presidente do Tribunal Supremo sem ser juiz de carreira. Temos um advogado de carreira como Juiz-Presidente de um tribunal que pode decidir um impeachment por crime de traição à pátria. Lembro ainda que Rui Ferreira não foi o escolhido dos juízes de carreia. Os juízes propuseram o nome do juiz Miguel Correia. Foi exactamente o presidente da República João Lourenço (que está aqui a ser alvo de impeachment) que o escolhe, ignorando a proposta inicial dos juizes de carreira. Ou seja, preteriu-se um juiz de carreira para se dar lugar a um advogado para Juiz-Presidente do Tribunal Supremo, a mesma pessoa que, por sinal, validou as eleições (aqui no nosso cenário "fraudulentas"). A escolha de João Lourenço não terá sido por acaso, já que Rui Ferreira seria obrigado a ser coerente com o seu passado, para além do compromisso moral que tem para com o actual presidente da República, uma vez que está a exercer um cargo de forma indevida. Mas supondo que Rui Ferreira fosse finalmente um "homem normal" (patriota), podíamos ter o impeachment consumado pelo Tribunal Supremo, embora não se deva ignorar o voto dos outros juízes do TS. O Tribunal Supremo tem 21 juízes que até podiam ser "normais". O problema é que o Juiz-Presidente tem voto de qualidade no caso de empate. Sendo Rui Ferreira patriota, teríamos um voto de qualidade a favor da justiça: destituição do presidente da República, pelos motivos acima descritos. 6. Tendo o impeachment sido consumado, qual seria o day after? Teríamos uma situação de vacatura do presidente da República eleito, o que permitiria que o vice-presidente da República, Bornito de Sousa, assumisse o cargo de presidente da República, com a plenitude dos poderes, como reza o número 1 do artigo 132.° da CRA. 7. Nesse cenário, o novo presidente da República podia ir à Assembleia Nacional escolher o seu vice-presidente no Grupo Parlamentar do partido que "venceu" as eleições, podendo escolher Higino Carneiro, por exemplo, para o cargo de vice-presidente da República até 2022, altura em que se realizasse novas eleições. Faço este artigo para que os cidadãos possam ter noção dos perigos - para o próprio MPLA (ou João Lourenço) - de termos construído um prédio de luxo em cima de mentiras. E fica aqui provado que nós estamos longe de sermos um "país normal". Este país projectado neste artigo simplesmente não existe. Um impeachment, no caso de se pretender fazer justiça, só seria possível se todos nós fóssemos patriotas. Ou seja, se todos colocassem a nação acima dos seus interesses pessoais. Mesmo João Lourenço não dá aqui sinais de patriotismo pela escolha que teve para o Tribunal Supremo, um órgão que pode decidir um eventual impeachment por traição à pátria. Este cenário só seria possível se fóssemos normais; se fóssemos patriotas. Não é o caso.
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